Peso ao nascer e o viés da hiperprolificidade

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Por: Felipe Norberto Alves Ferreira é nutricionista de suínos na Agroceres Multimix.

São diversos os fatores considerados importantes para o futuro da produtividade e rentabilidade das operações no mercado suinícola, em todo o mundo. Notadamente, o aumento do número de animais desmamados/porca/ano e a manutenção de pesos de venda que atendam as demandas de um mercado cada vez mais exigente.

A mortalidade, sendo um tópico de amplo interesse econômico e de preocupação sobre o bem-estar dos animais, é foco de técnicos a campo e vastamente estudada pela academia. E dentre todos os períodos de criação, aquele em que há maior concentração das ocorrências de morte e, portanto, exige maior atenção, é o período pré-desmame. Em números atuais, os níveis de mortalidade pré-desmame nas explorações comerciais aumentaram sensivelmente, atingindo médias em torno de 10% em relação aos leitões nascidos vivos (CAMARGO et al., 2020).

Ainda, o acompanhamento do peso ao nascer tem grande relevância no estudo do desempenho, sobretudo em um cenário de aumento expressivo do número de leitões nascidos. Sendo o peso ao nascer o índice de acesso mais precoce da vida produtiva do leitão, ele está sujeito a ser aquele no qual os técnicos observam como critério de classificação. De fato, isso ocorre, comumente, ainda durante a lactação, quando os leitões são normalmente segregados em grupos de acordo com seu peso. Neste sentido, a atenção é voltada para os leitões de baixo peso, que normalmente apresentam elevado risco de acometimento por doenças infecciosas, transtornos metabólicos associados à homeostase da glicose e baixas taxas de sobrevivência. Os leitões que sobrevivem podem apresentar alguma compensação no ganho de peso, mas, comumente, apresentam crescimento mais lento e piores índices de conversão alimentar, ganho de peso, características de carcaça e qualidade de carne (STANGE et al., 2020).

Características dos leitões de baixo peso e eventuais consequências sobre o desempenho subsequente

Leitões de baixo peso têm características marcadas, como crescimento muscular prejudicado por um menor número de fibras musculares, produção hormonal atípica e padrão metabólico, sobretudo o energético, distinto (Hu et al., 2020). Apresentam ainda, maior demanda nutricional, sobretudo em kcal/kg de peso vivo, devido à sua maior superfície de contato e reduzida capacidade estomacal total, em média 55% menor, em relação a leitões com peso normal já ao nascimento.

A baixa capacidade estomacal leva a um menor aproveitamento da colostragem, se comparado a leitões de peso normal, o que explica – ao menos em parte – a maior mortalidade de leitões leves nas primeiras 24 horas de vida (LYNEGAARD et al., 2020). Aos que sobrevivem a esse período, resta a necessidade de maior número de visitas ao teto e menor tempo dedicado ao aquecimento, além do aumento do risco de mortes por esmagamento dessa categoria de leitões. Complementarmente, 48% dos leitões que morrem durante a lactação estão com o estômago vazio (HALES et al., 2013) e 72% dos leitões que morrem até o quarto dia não consumiram colostro (DAMM et al., 2005), o que evidencia uma clara incapacidade de nutrição neonatal desses leitões.

Os leitões de baixo peso ainda apresentam menor desenvolvimento da estrutura intestinal, associado a uma digestão deficiente e comprometimento da função de barreira a nível de intestino delgado (AYUSO et al., 2021), características que resultam de interrupção da diferenciação e proliferação celular durante a gestação.

Estudos internos da Agroceres Multimix – com mais de 3.500 leitões avaliados individualmente – demonstraram que leitões nascidos com peso abaixo de 1,2kg, apresentam probabilidades de remoção significativamente maiores do que leitões nascidos acima desta faixa até a saída de creche. Também, o aumento do risco de remoções se eleva exponencialmente quanto menor o leitão nasce (Figura 1). Os estudos ainda evidenciaram que a cada 100g a menos de peso ao nascer, podem refletir em até 1,4kg ao abate. Isso se explica em parte, pela análise da composição corporal de leitões nascidos leves, revelam menor conteúdo em proteínas e gorduras corporais em detrimento a um maior conteúdo de água (STANGE et al., 2020).

Figura 1. Probabilidade de remoção (mortes e transferência devido à refugagem) de leitões até a saída de creche, em função do peso ao nascer.

A relação do peso ao nascer com a mortalidade no período pré-desmame

É sabido que características como pele cianótica, tempo de repouso extenso logo após o nascimento (> 5 minutos), cordões umbilicais rompidos ao nascimento, ordem de nascimento elevada (> 9 leitões), baixo peso ao nascer (< 1,0 kg) e baixa temperatura retal nas primeiras 24 horas (< 38,1 °C) são alguns indicadores comuns de viabilidade reduzida e maior probabilidade de morte de leitões individuais durante a primeira semana de vida (PANZARDI et al., 2013). Contudo, taxas de sobrevivência reduzida no pré-desmame são observadas também em leitões oriundos de leitegadas de porcas mais velhas e numerosas (VANDE POL et al., 2021a), o que traz à tona um elemento de extrema importância relacionado às matrizes modernas: a hiperprolificidade.

Se por um lado a hiperprolificidade proporciona maior número de leitões nascidos nas granjas, por outro acarreta redução no peso médio do leitão ao nascer (Figura 2A) e aumento da variabilidade dentro das leitegadas, com maior ocorrência de leitões de baixo peso, sobretudo aqueles menores de 1kg, que terão que competir com leitões mais pesados pelo acesso aos tetos durante a lactação e, consequentemente, no aumento dos níveis de mortalidade pré-desmame, particularmente para aqueles leitões de baixo peso (KOBEK-KJELDAGER et al., 2020). Levantamentos recentes demonstram que leitegadas com mais de 14 leitões nascidos vivos, têm leitões 11,7% mais leves e coeficiente de variação desse peso 4,6 pontos percentuais maiores (CHARNECA et al., 2021).

Estima-se que entre 10 e 15% dos leitões nascidos apresentem baixo peso e, entre eles, a mortalidade pré-desmame aumenta vertiginosamente quanto menor o leitão (Figura 2B), chegando a 80% de mortalidade em leitões de 0,5kg de peso ao nascer.

Figura 2. Relação entre o peso ao nascer e o número de leitões nascidos totais (A; Vázquez-Gómez et al., 2020) Relação do peso ao nascer com a mortalidade no pré-desmame (B; Zeng et al., 2019).

O papel da uniformização das leitegadas na redução da mortalidade pré-desmame

A uniformização pode ser utilizada para equalizar a variação de peso dentro das leitegadas e para reduzir a competição entre leitões pelo acesso aos tetos. Há uma série de métodos e abordagens possíveis para realização da uniformização de leitegadas e não há consenso sobre os seus efeitos no crescimento e sobrevivência dos leitões (VANDE POL et al., 2021b).

Em termos de crescimento e mortalidade pré-desmame, a uniformização de leitegadas com o objetivo de reduzir a variação de peso ao nascer dentro de uma leitegada tende a ser benéfica para leitões de baixo peso, porém pode ser prejudicial para leitões pesados (HUNTING et al., 2018; VANDE POL et al., 2021a), isso porque a competição entre leitões leves tende a ser menos intensa, diferentemente de leitões pesados que poderão se desgastar mais no estabelecimento da hierarquia nos tetos, podendo, por consequência, perder potencial de crescimento ao longo da lactação.

Tabela 2. Desempenho produtivo de leitões em diferentes faixas de peso ao nascer, em leitegadas uniformizadas ou mistas

Categoria de pesoLeveMédioPesado
Tipo de leitegadaUniformeMistoUniformeMistoUniformeMisto
Peso ao nascer, kg0,860,861,281,281,691,69
Peso ao desmame, kg4,334,095,295,315,526,34
GPD, kg/dia0,1750,1610,2030,2040,1940,235
Mortalidade, %21,738,412,613,714,14,3

Adaptado de Vande Pol et al., 2021b.

A tabela 2 demonstra que o resultado da uniformização é inverso quando tomamos as leitegadas leves e pesadas como referência. Por um lado, a uniformização eleva a mortalidade de leitões pesados de 4,3% para 14,1%, mas reduz o ganho de peso em 17,4%. Em leitões leves, a uniformização eleva o ganho de peso 8,7% e reduz a mortalidade de 38,4% para 21,7%. Estes dados esclarecem que leitões leves se beneficiam mais das uniformizações de suas leitegadas.

Apesar disso, leitegadas que passaram pelo processo de uniformização demonstram claramente resultados mais consistentes de consumo de colostro e redução na taxa de mortalidade pré-desmame, conforme demonstrado na tabela 3, com um aumento no consumo de colostro na ordem de 5% e consequente aumento de 22% na concentração de imunoglobulina (IgG) nos leitões. Essa combinação resulta em uma redução de 5,5 pontos percentuais na mortalidade pré-desmame e um coeficiente de variação do peso ao desmame 8,6 pontos percentuais menor do que em leitegadas não uniformizadas.

Tabela 3. Resultados de desempenho produtivo de leitegadas uniformizadas

IndicadorTipo de leitegadaValor de P
UniformizadaHeterogênea
CV peso ao nascer, %9,327,8<0,001
Consumo de colostro, g4153950,28
Mortalidade 24 horas, %2,24,50,18
CV consumo colostro, %22,436,0<0,001
Nível de IgG, g/L22,518,4<0,001
CV peso ao desmame, %17,125,7<0,001
Mortalidade até o desmame, %6,411,90,02

Adaptado de Charneca et al., 2021.
CV = coeficiente de variação.

As perspectivas de manutenção desses leitões de baixo peso nas granjas são tão mais positivas, quanto maior atenção é destinada a essa categoria de leitões. O manejo no pós-parto é fundamental para a sobrevivência e o consumo de colostro guiará a evolução de seu peso. O consumo adequado de colostro (> 200 g/leitão) proporciona manutenção da sobrevivência de leitões de baixo peso acima de 87% (MOREIRA et al., 2017), o que pressupõe uma complementação da baixa reserva corporais ao nascer.

Finalmente, tendo em vista as diferentes respostas expressadas por leitões de diferentes classes de peso à uniformização de leitegadas, fica clara a importância desse manejo para garantia de maior viabilidade, sobretudo de leitões leves. Contudo, é igualmente importante garantir que leitões pesados sejam mantidos em leitegadas com leitões médios, para que tenham condições de expressar seu máximo desempenho e uma vez adotada esta estratégia, novas perspectivas de atenção às leitegadas são possíveis.

Assim, lançar mão de suportes nutricionais mais adequados e estímulos de mamada mais eficientes, bem como assegurar a ingestão de colostro por meio do uso de sonda nasogástricas, além de uso de suplementos energéticos para manutenção de índices glicêmicos em níveis adequado, com vistas a se evitar a hipoglicemia neonatal, sempre buscando a maximização da exploração do desempenho desses leitões, são válidos e necessários ao sucesso e viabilidade das nossas maternidades.

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