Por Geraldo Barros (Coordenador Científico do Cepea) e  Mauro Osaki (Pesquisador da área de Custos Agrícolas do Cepea)

O Brasil foi surpreendido pela manifestação dos transportadores rodoviários no final de maio, que resultou na quase total paralisação da movimentação de mercadorias, com interrupção de alta gravidade do abastecimento, a começar do próprio combustível que motivou essa manifestação e, em consequência, de todos os demais bens, inclusive os de primeira necessidade, como alimentos, medicamentos e assim por diante.

As cadeias produtivas agropecuárias – que vão do produtor rural até o consumidor e em que o transporte é atividade primordial – foram imediata e significativamente atingidas, com perdas de produção, desabastecimento e forte reação da taxa de inflação, que se achava sob relativo controle.

As estatísticas agora disponíveis apontam para alta da inflação ao consumidor (IPCA-15), que pode ser associada à manifestação, de 0,14% (entre 15 de abril e 15 de maio) para 1,11% (entre 15 de maio e 15 de junho). Para alimentação a domicílio, especificamente, a mudança foi de 0,09% para 2,31%. No caso da batata-inglesa, a alta foi de 45,12%. Outros produtos também ficaram significativamente mais caros: cebola (19,95%), tomate (14,15%), leite longa vida (5,59%), carnes (2,35%) e frutas (2,03%). Pode-se estimar que, entre os dois períodos, separados por um mês, o consumo de alimentos pode ter caído em torno de 0,46%, segundo parâmetros de Fapri¹.

Os preços aos produtores agropecuários, por outro lado, viram-se comprimidos pela crise de transporte. No caso da batata, o preço ao produtor caiu 17% entre maio e junho de 2018; o do tomate, 25%. Os preços da soja, milho e boi gordo recebidos pelo produtor caíram de 1,5% a 5% (CEPEA-ESALQ/USP).

A situação do produtor rural ficava agravada porque, ao mesmo tempo em que os preços de seus produtos caíam, os de insumos aumentavam, devido ao frete. Para fertilizantes, estima-se aumento médio no frete de 82% entre maio e junho de 2018, numa média para várias regiões do Brasil, segundo levantamentos do Cepea. No mesmo período, também de acordo com dados do Cepea, o frete para grãos cresceu 33%, o que ajuda a explicar a queda no preço ao produtor.

Esses efeitos são altamente regressivos, já que prejudicam os grandes produtores bem como as exportações, e ainda mais pesadamente os pequenos produtores e os consumidores de baixa renda. Os primeiros tiveram seus preços de venda de produção – da parcela que não se perdeu por falta de escoamento ou de ração no caso dos animais – reduzidos; os segundos viram seus alimentos se escassearem, perderem qualidade e seus preços aumentarem no varejo.

O ônus da interrupção do transporte assim como seu encarecimento – devido à alta dos combustíveis e à imposição de tabelas com preços mínimos a serem cobrados dos usuários desse serviço – é repartido entre produtores e consumidores e recai mais pesadamente sobre aqueles de mais baixa renda.

A manifestação no caso das cadeias produtivas agropecuárias, a rigor, se explica pela impossibilidade de viabilizar a produção e o consumo de alimentos a preços que incorporassem os preços mais elevados do combustível (aumento de 17% para o diesel entre maio de 2017 e maio de 2018 em Mato Grosso, ANP): o produtor porque seus preços caíam e os consumidores porque seus preços subiam.

Não é um problema que se resolva elevando o frete, por meio de tabelamento para nele caber o preço mais alto do combustível, sem considerar devidamente as especificidades de cada região deste vasto país. O mercado – produtores e consumidores – dificilmente absorverá essa medida e a tabela de frete mínimo provavelmente não se sustentará. Não se resolve um problema de longo prazo com expedientes de curto prazo.

A raiz do problema está, além do preço do petróleo – que pode reverter-se no médio prazo –, no fato de que o transporte é um item importante dentro da cadeia produtiva, explicando boa parte da margem bruta que existe entre o preço ao consumidor e aquele ao produtor. Por causa dos problemas logísticos, o Brasil gastava, já em 2013, em transporte de alimentos quase o triplo do que gastavam os Estados Unidos de acordo com dados da Consultoria Macrologística². O Brasil gastava 8% do custo do alimento para o consumidor com logística, enquanto os EUA apenas 3%. Explica-se essa diferença em grande parte porque o Brasil investia então 0,5% do PIB em logística, enquanto os EUA investiam 4% do PIB. Como consequência, o consumidor brasileiro paga mais caro pelo alimento e o País, evidentemente, perde competitividade em suas exportações