Desde que o homem desenvolveu a agricultura e passou a estudar os prejuízos causados pelo ataque de pragas, foi identificado que as culturas alimentares competem com mais de 100 mil espécies de fungos patogênicos, 30 mil espécies de plantas daninhas e 10 mil insetos herbívoros. As pragas são organismos que estão há milhões de anos migrando de um lugar para o outro no planeta, ignorando fronteiras, cruzando mares e rompendo barreiras criadas pelos serviços de defesa agropecuária. Ainda hoje, as perdas causadas pelos ataques de pragas, doenças e plantas daninhas podem atingir de 20 a 40% da produção potencial de alimentos.

A evolução da agricultura brasileira é marcada pela invasão de pragas e doenças que causam graves danos econômicos, como a broca-do-café, a lagarta-rósea e o bicudo-do-algodoeiro, a vassoura-de-bruxa no cacau, a mosca-das-frutas, a ferrugem-do-trigo, a ferrugem-da-soja e a lagarta Helicoverpa armigera, entre tantas outras. De acordo com dados do observatório “Pragas Sem Fronteiras”, ao menos 203 espécies invasoras foram detectadas no Brasil entre 1890 e 2014. Nos últimos 10 anos, a média de novas pragas detectadas aumentou para 3,75 por ano. Somente os países sul-americanos abrigam nada menos que 221 pragas quarentenárias para o Brasil.

O risco desse fenômeno da bioinvasão é facilitado pelo transporte de sementes, mudas, frutas e resíduos de solo, que na maioria das vezes ocorre de forma não intencional pelo homem. Além das migrações de pragas que ocorrem por fenômenos naturais, é fato que o aumento do fluxo de turistas e do comércio internacional tornará cada vez mais desafiador evitar o surgimento de novas pragas e doenças nas lavouras brasileiras.

O controle fitossanitário nas lavouras evoluiu muito nas últimas décadas e continuará evoluindo e incorporando inovações tecnológicas para o manejo integrado dos cultivos. Além da utilização de defensivos agrícolas químicos cada vez mais modernos e com melhor perfil toxicológico e ecotoxicológico, a associação com produtos biológicos, soluções em biotecnologia e agricultura digital vão criar novos métodos e conceitos para otimizar o uso de recursos (insumos, energia, uso da terra, água etc.) e minimizar os prejuízos causados por pragas, doenças e plantas daninhas nas lavouras.

A proteção fitossanitária das lavouras é fundamental para assegurar o suprimento de alimentos, fibras e energia para a população crescente, contribuindo significativamente para atingirmos diversos dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), dentre os quais podemos destacar os ODS número 2, 12 e 15, que visam  “acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável”, “assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis” e “proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade”, respectivamente.

Pragas e doenças

De 1980 a 2015, a produção agrícola brasileira cresceu 207%, enquanto a área plantada aumentou apenas 57%. A biotecnologia e a utilização de produtos fitossanitários foram essenciais para melhorar o desempenho das lavouras, ao reduzir as perdas causadas pelo ataque de pragas, doenças e plantas daninhas, melhorando indicadores econômicos, ambientais e sociais por unidade produzida. Baseado no conceito de que só é possível melhorar o que pode ser medido, cientistas desenvolveram metodologias com base na Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) para medir e analisar aspectos de sustentabilidade na agricultura.

Para quantificar estes avanços, a Fundação Espaço ECO®, organização sem fins lucrativos instituída pela BASF em 2005, realizou diversos estudos de socioeceficiência agrícola nos cultivos de soja, milho, algodão, cana-de-açúcar, arroz irrigado, café e também no sistema de integração Lavoura Pecuária Floresta. Os estudos realizados pela Fundação foram desenvolvidos em parceria com diversas entidades e empresas do setor. Com base nesses estudos, tem sido possível medir e identificar oportunidades de melhorias, apoiando  gestores na tomada de decisão por soluções e tecnologias cada vez mais sustentáveis.

Para aumentar a performance em sustentabilidade, uma das áreas que contribuirá muito com a proteção das lavouras nos próximos anos será a Agricultura 4.0, termo que foi criado para denominar a transformação que está ocorrendo nas cadeias produtivas do agronegócio e que pode ser medida em bytes no mundo digital.

Na prática, o que está acontecendo na agricultura é uma série de inovações baseadas na automação (Internet das Coisas), como o uso de sensores capazes de fornecer dados cada vez mais precisos, sistemas de agrometeorologia para melhor gestão das lavouras; monitoramento autônomo e intervenções mais precisas nos processos de gestão da produção agropecuária com o uso de algoritmos e Big Data; comunicação integrada e automação das cadeias do agro; sistemas avançados de monitoramento, rastreabilidade e controle para informar aos consumidores sobre a segurança e sustentabilidade dos alimentos, entre muitas outras inovações e avanços. Todos os dados gerados por esses sensores, robôs, equipamentos e ferramentas vão auxiliar cada vez mais o produtor na tomada de decisão durante a safra.

Da mesma forma como as FinTechs afetaram o mercado financeiro, as AgTechs já estão afetando o agronegócio, que é um dos carros-chefe da economia brasileira. Nesse sentido, já é comum encontrar agricultores utilizando soluções digitais para aumentar a produtividade e reduzir os prejuízos causados pelo ataque de pragas e doenças nas lavouras.

De acordo com um estudo realizado pelo Sebrae, 25% dos produtores rurais utilizam ferramentas digitais para gerenciarem suas propriedades, mais de 60% deles estão conectados na internet e 96% possuem smartphones.  Pesquisa divulgada em 2017 pela Associação Brasileira de Marketing Rural e Agribusiness (ABMR&A) mostra que 33% dos agricultores já utilizam alguma tecnologia de agricultura de precisão. O uso de GPS nos tratores e na aviação agrícola para pulverização das lavouras talvez seja um bom exemplo.

Softwares para gestão da fazenda, gestão da frota de máquinas agrícolas, planejamento da compra de insumos e monitoramento da evolução da safra já estão sendo amplamente utilizados. Logicamente que o Brasil tem o desafio de democratizar o acesso das tecnologias digitais para os pequenos produtores, mas acreditamos que a adoção será um movimento gradual e sem volta. Sabemos que há uma barreira cultural a ser superada, no entanto a adoção será muito mais rápida se a infraestrutura suportar o avanço das tecnologias digitais.

Os principais obstáculos, como a falta de infraestrutura no meio rural (banda larga), dificuldade de acesso em regiões mais remotas e a limitação da conectividade nas fazendas, serão superados na próxima década, tendo em vista a necessidade de assegurar a competitividade do agro brasileiro. Barreiras como a necessidade de treinamento e qualificação da mão de obra rural também são desafios importantes, que exigirão investimentos nos próximos anos. O agricultor é um conservador por natureza, mas um inovador por necessidade. A transformação digital tornará o campo mais atrativo para os jovens e para as mulheres, além de ajudar a melhorar o nível de escolaridade e a qualidade de vida no campo.

O aumento da produtividade e maior eficiência em custos caminham lado a lado no agro. A transformação digital das empresas agrícolas é justificada pela melhoria da gestão e a otimização no uso de recursos, visando a sustentabilidade do negócio ao longo dos anos. A busca pela maior eficiência operacional é o grande direcionador para os investimentos em tecnologia e na qualificação das pessoas.

O agronegócio brasileiro vai continuar, até 2030, a ter forte contribuição com os superávits comerciais, pautado na exportação de commodities para mais de 200 países. A agricultura sustentável é a grande vocação do Brasil. A busca pela inovação e pelo aumento na eficiência operacional seguirá crescendo, assim como a busca para agregar valor à produção. Acreditamos que a produtividade das lavouras deverá continuar crescendo até 2030, a exemplo do que vem ocorrendo há 45 anos com o surgimento da Embrapa, num processo de melhoria contínua. É consenso entre os especialistas que a agricultura digital será uma das ferramentas mais importantes para aumentar a competitividade e a sustentabilidade do agro brasileiro nos próximos anos, bem como aumentará o interesse dos jovens a permanecerem no campo.

Um bom exemplo é a projeção do aumento da utilização do uso de drones para a agricultura de precisão, reduzindo custos e combatendo os desperdícios. De acordo com pesquisas realizadas pelo Bank of America Merril Lynch, em um relatório denominado Robotic Revolution, projeta-se que até o ano de 2025 a maioria dos drones (80%) será utilizada em atividades da agricultura.  Enfim, as soluções digitais serão amplamente utilizadas no agro até 2030.

Na legislação brasileira, que está sendo revista, temos uma boa oportunidade para acelerar a adoção de inovações tecnológicas e melhorar o controle fitossanitário das lavouras, com maior segurança e ênfase na avaliação de risco de exposição. Uma outra oportunidade é substituir a receita agronômica, que atualmente gera muita burocracia e deve ser emitida para a compra de cada defensivo agrícola, por uma outra ferramenta bem mais completa e profissional: o plano de manejo fitossanitário da lavoura. Com essa ferramenta digitalizada, o agricultor teria condição de planejar e implementar de forma mais eficiente o conjunto de ações necessárias para controlar o ataque de pragas, doenças e plantas daninhas.

Tecnologia

Com base no registro das ocorrências e dos insumos utilizados nas safras anteriores, o produtor poderá, assistido por engenheiro-agrônomo ou outro profissional habilitado, decidir pela tecnologia que utilizará na safra seguinte, planejando melhor o uso de produtos para tratamento de sementes, herbicidas, inseticidas, fungicidas e biológicos, entre outros, levando em consideração a necessidade de fazer rotação ou a combinação de ingredientes ativos com diferentes modos de ação, visando a adoção das melhores práticas agrícolas para o manejo de resistências, promovendo o manejo integrado de pragas, doenças e plantas daninhas.

Com a digitalização das cadernetas de campo e a geração de dados (Big Data), será mais fácil compreender a dinâmica das pragas, doenças e plantas daninhas ao longo do ciclo fenológico dos cultivos em cada fazenda e aperfeiçoar o plano de manejo fitossanitário para a safra seguinte, melhorando o controle e otimizando o uso de insumos. Como a complexidade na gestão das fazendas tende a aumentar, a palavra de ordem na agricultura sustentável é a profissionalização e a automação (uso de inteligência artificial), visando a adoção de tecnologias e soluções inovadoras para ser cada vez mais eficiente na utilização dos recursos, combater os desperdícios e seus impactos ambientais.

Por Eduardo Leduc /BASF – América Latina

Fonte: EMBRAPA, Série OLHARES PARA 2030