À frente da ABPA, Turra ampliou número de associados de 23 para 140

No próximo dia 15 de abril, Francisco Sérgio Turra, 77 anos, deixará a presidência da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), cargo que ocupa desde 2008. Turra será substituído pelo diretor-executivo da ABPA, Ricardo Santin, no comando da organização que representa as empresas de aves e suínos do Brasil.

Natural de Marau, cidade de forte colonização italiana, Turra é advogado, formado pela Universidade de Passo Fundo (UPF) e também tem o diploma de Comunicação pela Pucrs. Teve uma longa carreira na vida pública, iniciando em Passo Fundo e com passagem pela Assembleia Legislativa e pelo Congresso Nacional, além de ocupar cargos na diretoria do Banrisul e do BRDE. Convidado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, assumiu a presidência da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) em 1996 e, em 1998, tornou-se Ministro da Agricultura, época em que a safra de grãos bateu recorde nacional e o investimento em agricultura familiar duplicou.

Para o dirigente, o Brasil está vivendo um grande momento para o setor de carnes, com crescimento de exportações, boa remuneração aos produtores e reabertura de indústrias. Nesta entrevista, Turra comenta a situação atual do mercado de proteína animal e avalia sua carreira no setor público e privado, bem como o processo de transição da ABPA.

Jornal do Comércio – Em 2019, o setor de proteína animal viveu um forte impacto do mercado externo, com a demanda asiática por carnes gerada pela necessidade de abater suínos, devido à Peste Suína Africana (PSA). Os preços das carnes subiram e preocuparam o consumidor nacional. Como o senhor vê o mercado em 2020?

Francisco Turra – Todo esse cenário está abrindo uma grande oportunidade para o Brasil. A PSA afetou o maior produtor de suínos do mundo, que é a China. Metade da produção do mundo está lá, e 40% da produção deles foi afetada e teve que ser abatida. Então 40% da produção de suínos da China foi destruída, cerca de 14 milhões de toneladas. O mundo não tem como atender a uma demanda extra de 14 milhões de toneladas. Em 2018, as exportações suínas em todo o mundo somaram apenas 8 milhões de toneladas. Os chineses estão procurando outras proteínas para atender o seu consumidor, como aves, bovinos e peixes. E isso não acontece apenas na China, mas em todo o Leste da Ásia. O resultado é elevação de preços, o que é um movimento bom para o setor recompor anos de profunda penúria, de prejuízos imensos, que fecharam muitas empresas no Brasil, especialmente no setor de suínos, que foi extremamente prejudicado. Na carne bovina há reclamação porque a alta foi repentina para o consumidor, de repente não havia produto disponível e o preço elevou. A tendência para resolver esses problemas passa por aumento de produção, para atender à exportação crescente.

JC – Já está ocorrendo esse aumento de produção?

Turra – O mercado interno é prioridade para o nosso setor. Cerca de 70% da produção de aves e 80% da produção de suínos são consumidas no Brasil. O aumento vai ser decorrência natural do mercado. Claro, é um processo mais lento em suínos, porque o ciclo é longo, e não temos matrizes nem material genético para fazer essa expansão de uma hora para outra. Com muito esforço, podemos ter um crescimento de 4% a 5% no número de abates. Já com as aves, o ciclo é muito mais curto, mas há muito cuidado, ninguém quer jogar muito produto no mercado sem saber o que vai acontecer. De repente, dá uma queda no consumo, ou a exportação diminui. Mas o momento está interessante para o produtor brasileiro. Empresas fechadas estão reabrindo, e novos investimentos estão surgindo, o que favorece o emprego e o desenvolvimento.

JC – Como foi o processo de troca de comando na ABPA?

Turra – Foi um processo democrático, que permitiu a valorização do meu diretor-executivo, Ricardo Santin, que trabalha comigo há 19 anos. O conselho contratou uma empresa de head hunter para analisar currículos, e o Santin foi ungido para me suceder em uma missão que, para ele, é tranquila, porque tem grande capacidade e competência. Além disso, ele é meu conterrâneo de Marau. Isso tem um significado especial. O que está certo não pode mudar (risos).

JC – Por que está deixando a presidência da associação?

Turra – É uma decisão que a gente vai adiando, mas chegou o momento. Vou me afastar da ABPA para ficar mais no Rio Grande do Sul. Não tenho mais disposição para ficar por aí andando mundo afora em viagens. Todas as semanas tenho que viajar a São Paulo, onde é a sede da entidade. E o ritmo de trabalho incessante, de estresse, gera consequências. Há um ano e meio, estava no hospital Albert Einstein, onde cheguei a ficar dois dias em coma, devido a uma encefalopatia, fruto desse ritmo de trabalho. Isso, indiscutivelmente, influenciou na minha decisão de sair da ABPA.

JC – Como avalia seu trabalho à frente da entidade?

Turra – Desempenhei minha parte durante 12 anos. A entidade subiu de 23 associados para quase 140. Abrimos muitos mercados, entre eles, o chinês, em 2009. Outros importantes foram Indonésia, Malásia, Coreia do Sul e México. Crescemos, somos uma organização muito unida, profissional, considerada um modelo de entidade empresarial. Temos como foco cuidar de nosso associado, do nosso setor.

JC – Qual foi seu principal desafio nesses 12 anos?

Turra – Com certeza, a Operação Carne Fraca (operação da Polícia Federal deflagrada em 2017 que investigou a adulteração de carne nas maiores empresas brasileiras do ramo). Não foi moleza, foi um tempo de muitas dificuldades. O principal problema é que ela mexeu com nossa imagem no exterior. Cerca de 70 países deixaram de comprar de nós na época. Houve uma generalização de uma informação referente a casos específicos. Nada contra a operação, ela foi correta, era preciso limpar o setor e proteger o consumidor. Mas houve uma generalização, com pessoas falando coisas como “o Brasil vende carne podre para o mundo”. Organizamos visitas internacionais a plantas para ver nossa produção, especialmente dos nossos maiores importadores, os árabes. Felizmente, consegui recuperar todos os mercados perdidos na época. A imagem da carne brasileira também foi recuperada, graças a campanhas permanentes. Mas, hoje, o que está acontecendo no mundo? Com essa crise de produção e consumo na China, ninguém está mais complicando com nada. Todos estão comprando, sem barreiras, com medo de perder seus estoques de carnes, e medo de perder o fornecedor da melhor proteína animal do mundo, que somos nós.

JC – O senhor tem algum arrependimento?

Turra – Se tenho um arrependimento foi de não ter cuidado tanto da minha saúde e, às vezes, ter ficado distante da minha família. Passei 20 anos como cigano, trabalhando em Brasília e São Paulo, enquanto minha família estava em Porto Alegre. Apesar disso, consegui manter uma família com quatro filho, sete netos, unida e com todo amor e carinho.

Fonte: Jornal do Comércio