O mais novo capítulo da crescente tensão entre Estados Unidos e China aponta que o embate entre as duas potências deve se prolongar, reduzindo o crescimento mundial e os preços das commodities, o que criaria um ambiente mais adverso para o Brasil. O aumento das incertezas pode levar a uma retração do investimento global, ambiente que pode “contaminar” o país, que custa a engatar uma recuperação econômica.

Inflação – Num ambiente de maior aversão ao risco, uma depreciação cambial mais prolongada pode ter impacto na inflação, mas limitado. Para economistas, o repasse desses choques para os preços tem sido limitado nos últimos tempos pelo alto nível de ociosidade da economia e pela fraca demanda interna, entre outros motivos. “Evidências mais recentes mostram que o repasse cambial é menor que foi no passado”, afirma Livio Ribeiro, pesquisador-sênior da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).

Mais suscetível – Mas o ambiente global está mais suscetível a choques, pondera. Por um lado, há um ambiente que leva a juros mais baixos, por outro há mais instabilidade. “É um grande tema de tensão que tende a jogar o crescimento para baixo e os custos de produção para cima. Mas não necessariamente isso chega à ponta final.”

Curto prazo – No curto prazo, as exportações de soja seriam beneficiadas. Mas no geral a briga dos gigantes globais não beneficia o Brasil. A tensão cresce num momento em que a atividade mundial já vive um cenário conturbado, com dados de comércio apontando para baixo e expectativa de desaceleração nas principais economias e nos vizinhos da América Latina, afirma o economista do Ibre.

Geopolítica – Ribeiro, para quem foi surpreendente o movimento do yuan nesta segunda-feira (05/08), diz que a briga entre EUA e China não se resume a comércio e câmbio. É geopolítica. “É uma luta por hegemonia. Sobre quem vai ser a potência dominante, em termos tecnológicos e econômicos daqui a 50 anos”, diz. Assim, as tensões não vão se dissipar no curto prazo. “Essa confusão toda nunca esteve perto do fim. Não dá para dizer para aonde vai, mas a solução não será rápida e teremos inúmeras fases de melhora e piora.”

“Tempestade perfeita” – Enquanto essa disputa se desenrola, uma “tempestade perfeita” está em curso na China, observa. Há os protestos dos cidadãos de Hong Kong, a ponta de instabilidade social mais visível da China, que tem como pano de fundo a desaceleração da economia, a dificuldade na geração de emprego, aumento da inflação de bens essenciais, como alimentos, e problemas no setor de intermediação financeira. “Vemos isso nos dados do PIB chinês. Há problemas aparecendo no consumo, nos investimentos. No meio de tudo isso, uma guerra comercial que não ajuda”, observa Ribeiro, para quem a desvalorização do yuan nesta segunda-feira tem que ser entendida nesse contexto.

Sinal – A desvalorização do yuan deve ser entendida como um sinal de Pequim de que vai enfrentar de forma mais aguerrida as posturas dos EUA no comércio internacional, afirma Rodolfo Cabral, especialista em economia internacional da 4E Consultoria. “Isso causa uma preocupação adicional, até porque a China tem baixa margem de manobra e não quer provocar uma desaceleração forte de sua economia”, diz. “Acho que pode até haver mais desvalorização, mas nesta segunda foi mais um sinal do governo que um movimento permanente no câmbio.”

Hegemonia – Para Cabral, como essa “guerra” é por hegemonia, haverá novos capítulos. “Mas em nome da racionalidade econômica eles devem ter uma trégua em algum momento, mas no curto prazo veremos bastante volatilidade”, acredita. Enquanto o crescimento da China já sente os efeitos dos embates comerciais com os EUA, a atividade econômica americana deve ter sinais mais evidentes a partir do terceiro trimestre. Dados do PIB americano de abril a junho, contudo, já mostraram retração nos investimentos privados, afirma Roberto Dumas Damas, professor de Economia Internacional e Chinesa do Insper.

Investimentos – “As incertezas sobre o crescimento nos EUA já são sentidas nos investimentos”, diz Damas. A incerteza tem potencial para frear os investimentos globais. “Tudo mostra que está vindo uma tempestade pesada. Os alertas estão acesos e 2020 não está bonito para a economia mundial.”

Brasil – No front doméstico, uma desvalorização cambial mais duradoura poderia afetar a inflação e o ciclo de cortes de juros. “Há um vento de proa pesado no mundo. Isso bate no câmbio. Caso se estenda, pode suscitar uma parada na queda de juros. É bom lembrar que estamos perto da meta [de inflação]”, afirma.

Fonte: Valor Econômico