Um dos maiores problemas de saúde pública levantados por especialistas no mundo é a presença de resíduos de antibióticos em alimentos estabelecendo uma resistência a esses medicamentos, especialmente em produtos de proteína de origem animal, como o leite. Esta preocupação foi levantada sob diversas discussões durante a realização do Workshop Internacional Leite Seguro, que a Embrapa Clima Temperado (Pelotas,RS) promoveu junto a representação de 30 instituições brasileiras importantes do setor de laticínios, durante três dias no final do mês de abril, na Estação Experimental de Terras Baixas, no Capão do Leão/RS.

Como resultado do evento foi feita a  formação Rede Leite Seguro: Ações para a promoção da qualidade, segurança e integridade do leite, com objetivos claros delineados para pôr em prática em 2019, já que se aproxima uma época ao fim de uso de antibióticos.

Ocorrência dos antibióticos
Durante o evento foram apresentados diversos dados significativos sobre a ocorrência de resíduos de antibióticos nos alimentos. Os participantes puderam refletir sobre informações como  a cada ano, 700 mil pessoas morrem de infecções resistentes a medicamentos, e especialistas prevêem que esse número pode subir para 10 milhões. “A projeção é que a resistência aos antibióticos mate muito mais que o câncer”, afirmou o presidente da G100 e Comitê Brasileiro da Federação Internacional do Leite(FIL/IDF), Wilson Massote Primo.

O presidente da comissão organizadora do evento, Marcelo Bonnet, trouxe também a informação de que cerca de 70% dos antibióticos nos EUA são dados ao gado, e isso tem um efeito indireto na saúde humana. “As cepas resistentes de bactérias entram na cadeia alimentar e são consumidas por nós”, destacou Bonnet. Além disso, pesquisas recentes apontam para uma possível ligação entre antibióticos e obesidade, bem como diabetes tipo 2 e asma.

O evento
O objetivo do evento, segundo Marcelo Bonnet, é exterminar o problema e levantar soluções existentes. Conforme ele, a Embrapa tem um conjunto de soluções, tecnologias e trabalhos úteis a esta proposta e está atuando como mediadora entre as empresas públicas e privadas. “Nós precisamos melhorar as boas práticas agropecuárias (BPAs), garantir que aja controle de venda, de uso, de aplicação adequada dos antibióticos, controlar a saúde animal para evitar o uso desnecessário desses medicamentos, precisamos de dados do campo, dados da pesquisa, integração com o setor produtivo para saber qual a prevalência de leite com resíduos de antibióticos no país”, listou Bonnet.

Embora, ele fale que os dados informados pelos órgãos fiscalizadores brasileiros  apresentem baixos índices de resíduos de antibióticos no leite, é preciso garantir cem por cento de leite seguro. “Vamos incluir rotinas no Laboratório de Qualidade do Leite (Lableite) da Embrapa: as análises de resíduos no leite. Através desta Rede, vamos também fazer um trabalho com o Laboratório Nacional Agropecuário do Rio Grande do Sul (Lanagro/RS) para desenvolver novos protocolos de métodos, programas mais apropriados, específicos e baratos”, completou Bonnet.

O leite é produzido em quase todos os municípios brasileiros. O Estado do RS é o segundo maior produtor de leite no Brasil e a região Sul é a que mais produz leite no país. “A sociedade demanda leite seguro e leite de qualidade”, ressalta Bonnet.

A Rede Leite Seguro
Após três dias de encontro, foi registrada a necessidade de formação de uma rede de pesquisa para encaminhar avanços tecnológicos brasileiros, sendo  instalada a Rede Leite Seguro: Ações para a promoção da qualidade, segurança e integridade do leite.

Esta Rede irá definir os participantes e governança para Sustentabilidade da Rede Brasileira de Laboratório de Controle da Qualidade do Leite – Rbql; irá ampliar, analisar, gerenciar e utilizar da melhor forma o sistema de informação–Simql; comunicará soluções disponíveis na temática do Leite Seguro; estabelecerá prioridades de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação; estabelecerá prioridades baseados em dados e informações para a proposição de Políticas Públicas; proporá interação Governo, setor produtivo e sociedade na construção de Políticas Públicas; usará meios para circular informações na cadeia produtiva e comunicar políticas públicas à sociedade; será um elo de ligação entre o produtor e o consumidor; elaborará questionário com vistas a estabelecimento de banco voluntário de dados e informações quanto a detecção, qualificação e quantificação de resíduos de antimicrobianos em leite, visando a captação de informações junto aos produtores de leite; estabelecerá a correlação e correspondência estatísticas de ensaios de triagem confirmatório para resíduos de antimicrobianos em leite; e irá propor estratégias táticos operacionais para curto, médio e longo prazo.

A criação da Rede Leite Seguro, de acordo com a pesquisadora Maira Zanela, é uma forma para conhecer os principais fatores de riscos e reduzir esses riscos de resíduos de antibióticos para que o consumidor final possa consumir um leite com segurança. “A nossa finalidade é que o consumidor não tenha medo de ingerir um produto tão bom nutricionalmente”, afirmou Zanela.

Irão participar desta Rede representantes que estiveram reunidos neste Workshop como Mapa, Lanagro do Brasil, Embrapa (unidades de Pelotas/RS e Juiz de Fora/MG), G100, Federação Internacional do Leite (FIL/IDF), Sebrae, Emater/ RS-Ascar, Setrem, URI (Laboratório de Qualidade), Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia/USP, Zoetis, Neogen/Sindal, PrimeTech, GlobalFood, Hexis Científica, Charm Sciences, Rasip Alimentos, Barbosa & Marques S/A, Clínica do Leite, Cooperativas Languiru, Serrano, Serramar, Tirolez, Cooperag, Laticínios Belo Vale, Latco Ltda, Italac, LatVida e Piracanjuba.

Avanços Tecnológicos
Foi apresentado na oportunidade do Workshop o que há na atualidade de avanços tecnológicos como os Métodos Confirmatórios e de Triagem, mas sendo necessário o compartilhamento inteligente por controles oficiais e privados, que garantam o foco, a qualidade e a quantidade dos dados e informações. “A nossa intenção é preparar uma carta para o Mapa adotar algumas sugestões referente as normativas que estão em vigor, e iremos propor um teste no mês de maio, junto ao Lanagro/RS, dos métodos confirmatórios”, adiantou Bonnet.

Método de triagem e confirmatórios
Marcelo Bonnet apresentou a ideia de uso dos métodos combinatórios inteligentes de análise de resíduos ao utilizar os de triagem e os confirmatórios. Os métodos de triagem tem limitações, mas podem dizer quais os antibióticos tem especificamente na amostra de leite. De acordo com o Marcelo Bonnet, esse método informa o grupo, mas não informa qual  o antibiótico específico e também não indica o nível de concentração do antibiótico. São métodos rápidos, baratos e convenientes para o setor produtivo, para alertar precocemente o leite contaminado, que não entra na cadeia produtiva.

Já os métodos confirmatórios são sensíveis, são seletivos, são robustos. Podem, ou não, ser rápidos, dependendo da automação do próprio laboratório. São muito caros e não estão ao alcance do produtor. “É possível combinar os dois: quando você tem um grande volume na triagem e consegue tomar aquelas amostras positivas e confirmá-los em laboratório, a equipe avança em conhecimento ao criar correlações, estatísticas importantes, para melhorar a segurança do produto, deixando o processo competitivo, satisfazendo a necessidade do consumidor e protegendo a saúde pública”, explica Bonnet.

O teste de triagem pode acusar falsos positivos leites contaminados, por isso, precisa-se usar mais de controle no país com grandes volumes de dados. “Um produtor que tem uma amostra positiva em meio a mais de 500 análises, ao longo de um ano ou dois anos, sem problema algum, possivelmente é um falso positivo. Mas você pode fazer isso quando você tem informações, dados em grandes volumes, análises e tendências mapeados no tempo e no espaço. Com isso, você consegue lidar com alarmes falsos ou com quem é, ou  não é, e ainda saber como lidar com cada caso”, pontuou Bonnet.

Palestras do Workshop
Uma das importantes palestras que foi apresentada durante o Workshop Internacional Leite Seguro foi sobre Inovação e Tecnologia na Embrapa, ministrada pelo diretor-executivo de Inovação e Tecnologia da Empresa, Cleber Oliveira Soares, que mostrou a curva de progressão das mudanças sócio-econômicas, os contextos desafiadores e os novos drivers, além de como está estabelecida a Rede de Inovação em Agricultura e uma visão de atuação para 2030. Cleber Soares falou também do papel da Diretoria de Inovação e Negócios que tem o objetivo de transformar ideias em inovação e entregar valor a sociedade.

Em sua explanação também apresentou como está a estruturação da Embrapa para trabalhar com Inovação e Negócios, focando em inovação aberta, ativos qualificados, inserção no mercado e adoção de ativos. “A agricultura brasileira e a produção de alimentos tem multifuncionalidades que devem estar baseadas em Ciência e critérios de sustentabilidade”, afirmou Soares. Segundo ele, a sustentabilidade aproxima produtores e consumidores, gerando valor e impacto na sociedade.

No primeiro dia de Workshop foram apresentadas palestras sobre o que vem sendo desenvolvido em pesquisa, desenvolvimento e inovação em leite pela Embrapa; a importância do papel do setor organizado, como a ocupação do país no Comitê Brasileiro da Federação Internacional do Leite (FIL/IDF), apresentado pelo G100 e FIL/IDF; quais são as ações que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) está realizando ao uso prudente  de antimicrobianos em pecuária de leite; seguido por diversos departamentos do Mapa e do Lanagro/RS que discorreram suas experiências sobre os avanços no controle de antimicrobianos em leite, além das experiências e desafios relatados por produtores, indústria e cooperativas de laticínios participantes do evento.

O segundo dia foi centrado na discussão do problema da mastite, uma das dificuldades sanitárias no rebanho de leite, que usa tratamentos a base de terapias antimicrobianas, assim como, a apresentação de uma das soluções tecnológicas para identificação rápida de resíduos de antibióticos  em leite que é o método de triagem da Embrapa. O último dia foi encerrado com a formação da Rede Leite Seguro.

Fonte: Embrapa Clima Temperado