Por Nelson Albino Neto, especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP) e em Gestão Tributária pela Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP)

O setor do agronegócio brasileiro acompanhou de perto o julgamento, pelo plenário do STF (Supremo Tribunal Federal), da contribuição ao Funrural (Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural).

Entretanto, o propósito deste artigo não é analisar a decisão do STF. Discorreremos sobre o dever de retenção do Funrural, atribuído ao adquirente da produção que lhe é vendida por produtores pessoa física.

Por se tratar de uma prática bastante utilizada no agronegócio, acreditamos que este capítulo da longa novela Funrural possa contribuir de alguma forma, haja vista a dispensa de uma obrigação que impacta diretamente no fluxo financeiro da operação.

Pois bem, para alcançarmos o objetivo central a que nos propomos, mister fazermos uma síntese sobre o Funrural, as discussões judiciais que o envolveram, o recente julgamento do STF e, finalmente, sobre as decisões posteriores, que afastaram o dever de retenção do Funrural.

O Funrural foi instituído originalmente pela Lei Complementar nº 25 de 1971 (LC 25/71), ainda no Regime Militar e na vigência da Constituição de 1969. Incidia sobre a Receita Bruta da comercialização de produtos rurais.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/88), toda estrutura previdenciária foi alterada, especialmente no que toca às fontes de custeio da seguridade social, agora prevista no Artigo 195, da CF/88.

Em 1991, a Lei Geral da Previdência foi promulgada (Lei 8.212/91) com as regras de organização e custeio da Seguridade Social, conforme definido pela CF/88. Foi, inclusive, a Lei 8.212/91 que definiu a folha de salário como base de cálculo para as contribuições previdenciárias patronais.

A celeuma em torno do Funrural teve início no ano seguinte, com a Lei nº 8.540 (Lei 8.540/92), que reeditou o imposto de acordo com as regras de custeio criadas pela CF/88. Todavia, a Lei 8.540/92 manteve a base de cálculo do antigo Funrural, isto é, a receita bruta de venda da produção rural.

Diante de inúmeras ações judiciais contestando a base de cálculo do imposto definida pela Lei 8.540/92, o Governo Federal buscou uma solução legislativa para o impasse. Foi, então, aprovada a Emenda Constitucional nº 20 de 1998 (EC 20/98), que alterou a redação original do art. 195 da Constituição, de modo a permitir a incidência de contribuições sociais sobre o faturamento.

Contudo, em 2010 o STF declarou a inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei 8.540/92. Neste mesmo julgamento, foi declarada também a inconstitucionalidade da obrigação de retenção do Funrural pelo adquirente da produção rural, inserida na Lei Geral da Previdência pela Lei nº 9.528 de 1997 (“Lei 9.528/97”). Ou seja, o imposto, na forma como até então vigente, foi declarado inconstitucional antes da EC 20/98 e até que nova lei, posterior a ela, fosse publicada.

Diante da derrota, o Governo Federal editou a Lei 10.256/01, para restabelecer o Funrural, agora de acordo com a Constituição de 1988, já alterada pela EC 20/98. Importa, neste ponto, observar que a Lei 10.256/01 não tratou do dever de retenção dos valores pelo adquirente, declarado inconstitucional pelo STF no julgamento de 2010.

STF

Com o novo precedente, inúmeros produtores se voltaram contra o Funrural, valendo-se, para tanto, da decisão do STF que declarou a inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei 8.540/92. Todavia, em 2017 o STF analisou a matéria, e, na contramão das expectativas do setor, declarou a constitucionalidade do FUNRURAL, incidente sobre a receita dos produtores.

Em resumo: em 2010 o STF declarou a inconstitucionalidade do Funrural criado pela Lei 8.540/92, cujo texto remetia ao artigo 195 da Constituição Federal, em sua redação original, isto é, antes da Emenda nº 20/98. Já em 2017, o STF declarou a constitucionalidade do Funrural criado pela Lei 10.256/2001, cujo texto já fazia referência ao artigo 195 da Constituição Federal, após a Emenda 20/98.

Ocorre que no julgamento recente do STF nada foi dito a respeito do dever de retenção, de forma que, em nosso entendimento, prevalece a declaração de inconstitucionalidade de 2010, o que, inclusive, foi reafirmado pela Resolução nº 15/2017 do Senado Federal.

Com base nesta tese, diversos contribuintes buscaram amparo no Poder Judiciário e obtiveram decisões favoráveis, que lhes eximiram do dever de retenção do Funrural quando da aquisição da produção de pessoas físicas.

Um exemplo relevante disso foi a liminar obtida recentemente, em 22/06/2018, pela Abrafrigo (Associação Brasileira de Frigoríficos) perante a 3ª Vara da Justiça Federal de Brasília (JF/DF).

Nesse contexto, é de suma importância reconhecer que essas recentes decisões criam um bom precedente para que outras empresas agrícolas busquem na Justiça o direito de não efetuarem a retenção, eximindo-se da obrigação fiscal e de todos os percalços que lhe são inerentes, sobretudo no aspecto financeiro da negociação com os produtores.