O consumo maior – intensificado pela pandemia do novo coronavírus -, uma oferta ajustada e mais incertezas sobre as próximas safras em função de adversidades climáticas que vêm sendo registradas muito além das fronteiras do Brasil tem motivado expressivas altas entre os preços dos alimentos. A tendência é de que esse avanço dos valores continue e, na sequência, venham a se estabilizar. Uma baixa, ao menos no curto e médio prazos, está descartada.

Como explica o sócio-diretor da Cogo Inteligência em Agronegócio, Carlos Cogo, já é possível registrar um aumento no consumo de alimentos básicos no Brasil per capita de 1 quilo de feijão; 2 quilos de arroz, 1 quilo de carne de frango e de 15 a 20 ovos a mais em 2020 em comparação com 2019. Isso sem citar maior demanda por leite UHT, lácteos, óleo de soja e demais proteínas.

“Com o auxílio emergencial, houve uma corrida maior por alimentos, principalmente por produtos da cesta básica. Logo no começo da pandemia, foi registrada uma queda dos preços em dólares, das commodities, mas na sequência tudo voltou a subir. E ainda tivemos a disparada do dólar logo em seguida” explica Cogo. “E só veremos uma baixa nos alimentos se houver uma baixa do dólar”, completa.

O gráfico abaixo, da Bloomberg, mostra o desenvolvimento de seu índice que engloba os preços de produtos chaves na agricultura – Bloomberg Agriculture Subindex – com um aumento de quase 20% desde junho:

Bloomberg Agriculture Subindex
Fonte: Bloomberg

Ao lado dos fundamentos de oferta e demanda, a desvalorização do real frente ao dólar tem sido também um fator central para a alta dos alimentos. E ao menos por agora, o câmbio também não tem espaço para uma correção muito severa para baixo, mantendo ainda o dólar alto.

“A alta do dólar resultou em exportações muito fortes, mais a demanda interna. Esses foram fatores de alta nos preços dos alimentos”, complementa o consultor. E esse avanço, também ainda como explica Cogo, esse foi um movimento que não se deu somente no Brasil. A ‘crise’ chegou aos países mais pobres rapidamente, e de forma até um pouco mais severa em nações que não são francas produtoras e exportadoras de comida como a brasileira.

“A ‘crise’ acometeu países do Oriente Médio, do Sudeste Asiático, e outras partes do mundo”, afirma Cogo, e que foi, inclusive, motivador de uma mudança de hábitos também entre estes países. Muitos viram suas necessidades de garantir a segurança alimentar aumentar rapidamente, mesmo diante de preços bastante elevados. Diversos países têm buscado recompor e aumentar seus estoques, principalmente, de grãos, o que também alimenta a escalada dos preços.

Exemplos disso são Egito e Jordânia, por exemplo, que vem incrementando suas compras externas em um momento em que geralmente estão fora do mercado, focados em suas colheitas. O mesmo acontece na China – onde os preços de milho, por exemplo – são recordes neste momento, o que motiva um aumento considerável de suas importações em 2020 -, em Taiwan, no Japão e também em países da América Latina.

No Brasil, na última semana, o Brasil zerou a alíquota de importação de soja e milho de fora do Mercosul e, em setembro, fez o mesmo com o arroz. Os efeitos são limitados nos preços, uma vez que o cenário fundamental segue como principal responsável pela manutenção dos altos patamares. No Marrocos, o trigo importado está livre de taxações até o final do ano. No Paquistão, o aumento das compras externas de trigo e açúcar é frequente.

OFERTA MAL DISTRIBUÍDA

O consultor de mercado da Cerealpar e da TradeHelp, Steve Cachia, explica que as questões ligadas ao crescimento da insegurança alimentar se dão, inclusive, ao empobrecimento rápido de alguns países em função dos desdobramentos da pandemia do novo coronavírus.

“Há insegurança alimentar em função de inúmeros fatores. O primeiro deles é porque a pandemia empobreceu alguns países e devido a falta de recursos e questões financeiros. Alguns povos terão dificuldades para se abastecer devido aos efeitos econômicos do Covid. Ou seja, oferta existe bastante, mas está mal distribuída”, diz. Na sequência, Cachia explica também que a oferta global está bastante dependente do que vem da América do Sul nesta nova safra.

“Se houver quebra de safra, aí sim poderemos começar a ver escassez de produtos. Mas não é o caso até agora. A nível mundial, se a demanda continuar firme e forte como está, vamos comendo mais dos estoques, e o preço se valoriza mais. E se quebrar a safra da América do Sul? Aí sim pode haver uma confusão geral porque boa parte da safra 2020 dos EUA e 2021 do Brasil já estão negociadas. Ou seja, oferta boa só a partir de setembro do ano que vem”.

O consultor reforça, em sua análise, que os estoques são suficientes, em cenários normais, porém, estão mal distribuídos. “Uma oferta nem tão abundante quanto se esperava? Isso sim está provocando a recente alta nos preços internacionais. Se eu acho que teremos um susto grande na questão da segurança alimentar e até momentos de escassez no futuro próximo? Eu acho que sim, e estamos saindo de um ciclo de preços internacionais baixos para entrar em ciclo de preços altos”, conclui Cachia.

TRIGO, SOJA & MILHO

“O mercado de trigo segue em alta. Estamos com problemas de clima em três dos cinco maiores exportadores mundiais do grão, sendo Rússia, EUA e Argentina, o que sinaliza que segue a alta, e a tendência também. E isso se dá também para o mercado nacional”, explica a diretora da De Baco Corretora, Rita De Baco. Novos negócios são limitados, ocorrem em volumes menores, com poucos lotes disponíveis.

Neste quadro, onde o tempo seco castiga a safra e favorece as cotações, os futuros do trigo negociados na Bolsa de Chicago registram suas máximas em seis anos.

Mercado do trigo - Gráfico Bloomberg
Fontes: Bloomberg e CBOT

“Com os agricultores dos Estados Unidos ao Mar Negro lutando contra a seca, a má qualidade das lavouras está aumentando as preocupações de que o mercado possa apertar ainda mais. Isso está acontecendo em um momento em que os importadores estão construindo estoques para proteger o abastecimento, levando os gestores de fundos a se tornarem mais otimistas.

Uma apuração feita pela agência internacional de notícias Bloomberg, os estoques globais de trigo estão próximos de um recorde, enquanto os dos principais exportadores estão em suas mínimas de seis anos. Reflexo das importações muito fortes. O movimento já compromete boa parte da logística nestes países – esgotada pela demanda muito intensa.

Ainda sobre o trigo, as compras externas chinesas também se destacam por estarem próximas das maiores em 25 anos nesta temporada, ainda segundo dados compilados pela Bloomberg junto do USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos).

No caso da soja, somente desde o começo de outubro, os preços na Bolsa de Chicago já subiram mais de 1% dada a demanda maior pelo produto norte-americano. Da mesma forma, no Brasil, as cotações estão em níveis recordes, superando os R$ 160,00 por saca diante de uma oferta mais do que limitada e de uma demanda ainda bastante presente. Para o milho, as condições são semelhantes e os preços no mercado futuro brasileiro – na B3 – já chegam a ultrapassar os R$ 80,00 por saca.

VALOR DA COMIDA

Nos últimos sete meses – pico da pandemia do novo coronavírus – a alta nos preços dos grãos provocaram uma alta também no preço das refeições em diversas partes do globo. E por isso, o aumento da população mundial que vem sendo ameaçada pela insegurança alimentar também cresceu desmedidamente no período, de acordo com dados da FAO – braço da agricultura e alimentação da Organização das Nações Unidas – e os problemas podem se agravar.

Preço das refeições - Fonte: ONU
Fontes: FAO/ONU e Bloomberg

“A Covid-19 forçou os consumidores a mudar do gerenciamento de estoque ‘da mão para a boca’ para uma abordagem mais conservadora, que foi rotulada como ‘só caso aconteça'”, disseram analistas do Bank of America Corp., liderados por Francsico Blanch, chefe de commodities globais à Bloomberg. “O resultado é que os consumidores estão mantendo mais estoques como uma precaução contra futuras interrupções no fornecimento”, completa.

Em contrapartida, o economista sênior da ONU, Abdolreza Abbassian, explica que as compras destes mesmos países que anteciparam suas aquisições este ano podem ser menores nos próximos.

“Muitos podem comprar agora, mas podem comprar menos no próximo ano porque não vão precisar. Pude ver isso acontecendo, especialmente, porque as condições do trigo no inverno não são tão boas e, se você esperar, os preços podem subir ainda mais”, explica Abbasian em uma entrevista também à Bloomberg.

Fonte: Notícias Agrícolas