Historicamente, o Brasil importa mais da metade do volume de trigo consumido internamente (nos últimos seis anos, essa relação teve média de 55,6%). E dentre os fatores que influenciam essas compras externas estão a disponibilidade de produto de qualidade superior no mercado brasileiro e também o preço do cereal, segundo pesquisadores do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Esalq/USP.

Neste caso, o câmbio é o principal fator de impacto sobre as cotações. Tomando-se como base dados da B3 e estimativas do Boletim Focus do Banco Central, o dólar norte-americano pode operar acima de R$ 4,00 nos próximos três anos, o que seria um novo patamar, considerando-se a série nominal do câmbio. Ressalta-se, porém, que, enquanto o dólar elevado aumenta o custo da importação, favorece a receita com as exportações. Segundo pesquisadores do Cepea, a oferta de países vizinhos, especialmente da Argentina, também acaba por influenciar nos preços e na necessidade de compras de países mais distantes.

O ponto importante é que nem sempre uma maior oferta interna limita o volume importado, já que compradores domésticos se atentam aos preços das importações e à qualidade do trigo nacional. Diante da baixa liquidez nas transações internas, o Brasil exportou o equivalente a 13,6% de sua produção interna na média dos últimos seis anos.

Na primeira metade de 2020, a disponibilidade do cereal de PH 78 ou maior no mercado interno é baixa, o que pode elevar o interesse pela importação. Entretanto, o novo governo argentino elevou as tarifas de exportação e também sinaliza novas alterações, o que deve limitar a efetivação de contratos a termo. Além disso, há dúvidas se a nova política irá alterar o interesse de produtores pelo cultivo do cereal.

O Brasil, por sua vez, abriu cota de 750 mil toneladas de importação de trigo por ano com alíquota zero de países de fora do Mercosul, medida que também preocupa produtores da Argentina. Esse acordo, vale lembrar, foi assumido no início de novembro de 2019 por prazo indeterminado. Este volume com alíquota zero representa cerca de 12% das importações médias dos últimos seis anos e 6,6% do consumo interno do Brasil no período. A Conab estima que, entre agosto/19 e julho/2020, as importações totalizem 6,8 milhões de toneladas. Entre agosto e novembro de 2019, as importações somaram 2,68 milhões de toneladas.

No Brasil, a sinalização de preços maiores e o possível atraso na janela ideal para semeio de milho segunda safra nos estados do Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul podem atrair os produtores para o cultivo de trigo em 2020. No Rio Grande do Sul, onde há percentual expressivo das áreas que acabam recebendo apenas culturas de coberturas de solo, também poderá haver maior cultivo de trigo. Se isso acontecer, a oferta doméstica do cereal pode ser maior no último quadrimestre do ano, o que tende a impactar sobre as cotações em todo o segundo semestre deste ano.

Para a região de Cascavel (PR), dados da equipe de custos do Cepea apontam que o custo operacional efetivo (COE) por hectare de milho segunda safra em novembro foi de R$ 2.841,64, enquanto para o trigo foi de R$ 2.018,98/ha. Dada as condições de custos e preço de venda de ambos em novembro, para pagar para o COE, o produtor necessitaria atingir, no mínimo, produtividade de 85 sc/ha no caso do milho e de 60,3 sc/ha no caso do trigo. Porém, as médias de produtividade das últimas cinco safras na região paranaense foi de 92,3 sc/ha para o milho segunda safra e de 42,2 sc/ha para o trigo. Assim, as condições médias ainda parecem mais favoráveis para o milho de segunda safra do que para o trigo.

INTERNACIONAL – Em termos mundiais, a produção de trigo estimada para a safra 2019/20 pelo USDA é de 765,4 milhões de toneladas, aumento de 4,7% frente ao volume da temporada anterior. As maiores produções na China e na Rússia devem compensar as reduções na Austrália, Argentina e Canadá. Já o consumo mundial de trigo está previsto em 753,8 milhões de toneladas, 2,3% maior em relação a 2018/19. Os estoques mundiais do cereal deverão se elevar em 4,2%, aumentando a relação estoque final/consumo para 38,4%, contra 37,7% na temporada anterior, uma vez que o consumo aumentou em menor proporção em relação à produção. As transações mundiais de trigo deverão ter aumento de 3,2% em comparação com a safra anterior.

Especificamente na Argentina, a produção de 2019/20 deverá ser menor em relação à safra anterior, totalizando 19 milhões de toneladas. O consumo interno daquele país é estimado em seis milhões de toneladas, com possibilidade de exportações de 13 milhões de toneladas entre dezembro/19 e novembro/20, volume 5,7% superior ao da temporada passada.

Nos Estados Unidos, tomando-se como base os valores de dezembro/19, o contrato Dez/20 do trigo duro vermelho negociado em Kansas supera em 15,5% o de Dez/19. Na mesma comparação, na Bolsa de Chicago, o trigo mole vermelho de inverno registra valorização de 4,46%.

DERIVADOS – Boa parte de moinhos se mostra abastecida para o primeiro trimestre de 2020. Agentes consultados pelo Cepea apontam que deverá haver elevação nos preços da farinha e do farelo no início do ano, uma vez que os valores do trigo em grão subiram. No caso do farelo, as valorizações do milho também tendem a sustentar as cotações do derivado.

Fonte: Cepea