Por Débora Bernardes Oliveira dos Santos, médica veterinária e especialista em Gestão de Marketing pela ESALQ-USP, atual Gerente de Marketing da MS Schippers Brasil.

Quando falamos em “transformação digital”, você entende o que isso significa dentro do cenário agro e mais especificamente na suinocultura? Eu escrevo hoje sobre esse tema com a certeza de que cedo ou tarde você, que trabalha no setor, vivenciará essa questão na sua granja ou cooperativa, e terá a chance de fazer um belíssimo trabalho em termos de gestão de processos e marketing.

Em primeiro lugar, transformação digital é o que nós todos estamos vivendo desde os anos 90, quando o acesso à internet se tornou popular. Tomemos como exemplo que atualmente podemos pagar contas no banco através do computador. Parece bobo, mas há muito pouco tempo atrás isso só era possível se você se deslocasse até a agência do banco. No âmbito rural, hoje já podemos comprar insumos, participar de leilões, controlar finanças, estoque, e gerenciar a produção animal de forma digital, acelerando tomadas de decisão que trazem mais lucro e crescimento em um menor espaço de tempo. Isso significa desburocratizar processos para que todos (pessoas, clientes, parceiros de negócio, colaboradores e gestores) tenham uma melhor experiência de trabalho e consumo.

No agronegócio já sabemos trabalhar com transformação digital – Será?

Drones, semeadoras com GPS, colheitadeiras com piloto automático. A chamada agricultura de precisão é um exemplo claro de como estamos evoluindo com a tecnologia no campo, mas será que isso acontece a nível de processos internos? Mais ainda, será que na produção de suínos estamos pensando de forma clara e organizada ao implementar novas tecnologias? Ou será que estamos vivendo um “boom” de novas máquinas e sistemas, enquanto muitos processos manuais ainda geram horas de trabalho extra? Essa é uma reflexão para gestores de granja e produtores rurais em geral.

Os gestores precisam refletir sobre quais processos existem hoje numa granja, unidade, ou cooperativa, cuja realização “toma mais tempo que o necessário” ou é feita “pelas pessoas erradas”. Levantar esse tipo de informação é o primeiro passo rumo a um bom processo de transformação digital, pois torna-se possível entender quais mudanças são necessárias na base da gestão, e quais contribuições reais cada tecnologia ofertada trará no curto e longo prazo.

O que quero dizer com tudo isso é: a transformação digital deve ser encarada como estratégia de negócio e não como um desejo de “modernizar a granja”, muito menos ser imposta de qualquer maneira aos produtores por empresas do ramo. Um gestor precisa de tempo e energia para analisar números. Esse tempo, energia e números vêm dos processos que ele ou ela consegue otimizar na rotina de trabalho de todos os envolvidos no negócio, desde o responsável pela lavação dos galpões até o responsável técnico da granja. Embora exija investimentos, o digital não é um luxo, e sim uma necessidade para se manter competitivo.

A suinocultura é conservadora? Ou falta gestão e treinamento de pessoas?

Quando o conceito de transformação digital não está claro, surge um receio muito grande por parte de funcionários e até mesmo do corpo técnico das granjas, de que a tecnologia substituirá o trabalho deles. Como citei anteriormente, a tecnologia, na verdade, permite que as pessoas utilizem sua capacidade para realizar atividades menos braçais e mais analíticas, essa é a contribuição principal. A partir do momento em que as granjas estiverem analisando mais dados e compartilhando informações em sistemas que conversam entre si (como a computação em nuvem, por exemplo), será possível associar quais fatores estão mais ou menos relacionados ao desempenho dos animais.

Quando se conhece e acompanha a origem genética, nutrição, biosseguridade, bem-estar, entre outros elementos, é possível trabalhar para uma seleção constante dos melhores fornecedores e produtos finais. Essa já é uma realidade em muitos países desenvolvidos, onde a rastreabilidade de processos e a integração de informações acontece não só entre granjas, mas entre todos os participantes de uma mesma cadeia produtiva.

No Brasil, alguns obstáculos como o custo e falta de incentivos acabam atrasando a adoção dessas tecnologias, mas o perfil conservador dos produtores rurais em breve deixará de ser considerado um empecilho. Segundo o Censo Agropecuário do IBGE, entre os anos de 2006 e 2017 houve um aumento de 1790% no número de produtores com acesso à internet. Além disso, a 7ª Pesquisa de Hábitos do Produtor Rural realizada pela ABMRA em 2017 mostrou que 61% dos produtores rurais naquele ano já possuíam smartphones, e estavam mais expostos à internet do que aos jornais e revistas impressos, por exemplo.

É bastante possível, portanto, que o maior gargalo atual para a transformação digital nas granjas não seja o acesso à internet em si ou o perfil conservador dos gestores, mas sim a falta de capacitação das pessoas em temas como esse, bem como em gestão de resultados e desenvolvimento pessoal. Uma vez que isso aconteça, é muito mais fácil explorar novas tecnologias, fazer um bom uso das ferramentas digitais e caminhar para uma evolução constante. Precisamos deixar claro que, embora o agronegócio seja um setor conservador que vem absorvendo tecnologia a passos mais lentos que outras indústrias, o principal obstáculo para a mudança de processos ainda é humano, e isso pode ser encarado como um desafio ou uma oportunidade.

Fonte: Suinocultura Industrial